Um brevíssimo contexto
2022 foi um ano de grandes mudanças em Portugal e no mundo. O estado de calamidade deu lugar ao estado de alerta no dia 17 de fevereiro, que por sua vez deixou de ser renovado no dia 30 de setembro.
Quis isto dizer que, desde o tenebroso anúncio do primeiro caso de COVID-19 em Wuhan (17 de novembro de 2019) e em Portugal (2 de março de 2020), foi possível aliviar a tensão que se abatia sobre as nossas vidas ao longo de 942 dias.
Porém, sete dias volvidos da passagem de estado de calamidade para estado de alerta, deu-se a pérfida invasão da Ucrânia pela Rússia (24 de fevereiro), cujas dramáticas consequências sociais, políticas e económicas se alastraram a uma velocidade relâmpago por todo o mundo, não se avizinhando sinais de qualquer tipo de mitigação nos anos que se aproximam.
Como é evidente, estes fenómenos fraturantes, que impactaram duramente todo o globo, obrigaram-nos a passar por processos de reinvenção e de adaptação.
Se, de acordo com especialistas, em Portugal, a pandemia permitiu acumular poupanças, por via da redução generalizada do consumo, neste ano que agora finda, enfrentamos uma taxa de inflação que não conhecíamos há três décadas.
Por estes, e por tantos outros motivos, compraram, por exemplo, o novo iPhone 14 Pro Max na sua versão base, custou, este ano, mais €230 que todos os seus predecessores. Deste modo, o preço, que era fixo (€1279), estabelecido pela Apple para os modelos Pro Max em 2018 (aquando do lançamento do iPhone Xs), sofreu, como é passível de concluir, um brutal aumento em 2022, sendo este o cenário aplicado a todos os restantes dispositivos da marca.
A minha abordagem a alguns erros e acertos da Apple não se pode resumir aos produtos que lançou. Importa de facto é considerar a estratégia subjacente esses lançamentos. Porém, tratando-se de uma empresa que vive desses produtos, terei que, apesar de tudo, apresentar-vos o que Apple decidiu colocar no mercado em 2022.
- iPad Pro com processador M2 de 11 e 12,9 polegadas
- iPad 10.ª geração de 10,9 polegadas
- iPhone 14 Pro e Pro Max
- iPhone 14 e Plus
- Apple Watch Ultra
- Apple Watch Series 8
- Apple Watch SE (2.ª geração)
- AirPods Pro (2.ª geração)
- iPhone SE (3.ª geração)
- iPad Air (5.ª geração)
- Mac Studio
- Studio Display
- MacBook Air com processador M2
- MacBook Pro com processador M2 de 13 polegadas
3 erros da Apple em 2022
Muita parra, pouca uva
A Apple habituou-nos a uma injeção regular de inovação, circunstância que induz evidentes expectativas junto dos seus consumidores habituais. A ansiedade que se cria em torno dos costumeiros eventos que organiza todos anos, disso é exemplo.
Contudo, não se pode esperar que a Apple consiga abanar o mundo com todo e cada um dos seus lançamentos. iPhones e iPads foram ocorrências fenomenais, reconstrutoras das próprias práticas da vida quotidiana: literalmente, a Internet passou a caber no bolso das calças!
É, portanto, na gestão de produto, que reside a questão. Imersa nas versões S, SE, Pro, Pro Max, Max, Ultra e até o suposto Extreme, a Apple atalhou caminhos, complexificando o que era simples. Aquela ideia limpa e tranquila do Keep it Simple, está, infelizmente, há muito, desaparecida.
É que nem sequer dá tempo para sentir a obsolescência dos seus produtos. Ainda há bem pouco tempo, saíu uma nova fornada de tudo e mais alguma coisa, e neste ano, cá nos chegaram as novas gerações dos AirPods Pro, do iPad Pro, e mesmo dos MacBook Air e do MacBook Pro de 13 polegadas.
Pois, se ainda temos produtos perfeitamente operacionais, e que duram anos (assim nos acostumou a Apple), assistir ao lançamento de dispositivos com o mesmo e exato design, mas mais rápidos e com maior duração da bateria (e agora com preços brutalmente inflacionados), torna-se, em absoluto, frustrante para o consumidor.
Esta estratégia tem vindo a traduzir-se num erro persistente, de que os lançamentos destes dispositivos foram exemplo. Servirá apenas para quem já estivesse a considerar a renovação de produtos que considerasse datados.
Mas, ainda assim, pode configurar-se um cenário em que se equaciona a aquisição dos modelos que acabaram de ser substituídos pelos novos lançamentos, para aproveitar o decréscimo dos preços praticado pelas superfícies comerciais, necessariamente impelidas a escoar o stock remanescente.
Os olhos também comem. Esta é uma clara premissa distintiva da Apple. Portanto, comprar as mesmas coisas, mesmo que melhoradas (mas não tanto que justifique substituir um produto recente), traduz-se num claro desencorajamento de quem esperava muito mais. Basta olhar para o Apple Watch Series 8, e está tudo dito.
Mas isto não é compatível?
Então, mas eu posso comprar um iPad de 10.ª geração, finalmente sem o datadíssimo botão touch-ID, para não poder utilizar um Apple Pencil 2?
Ah, e tal, como a câmara frontal está agora localizada no topo-centro, quando o iPad está na horizontal, os seus componentes ficaram alojados na zona de carregamento magnético do Apple Pencil 2. Portanto, não havia forma de acomodar ambas as necessidades. A sério, Apple?
Posto isto, e para pior, ainda é obrigatório comprar um adaptador USB-C para Apple Pencil 1 para carregar e emparelhar este acessório!
Quero trabalhar profissionalmente. Obrigado pela multiplicidade de ofertas, mas decidam-se!
Há muitos anos, um profissional de aúdio e/ou de vídeo, sabia que o Mac Pro era o colosso insuperável. O problema era o valor absolutamente exorbitante desta máquina. E que gloriosa máquina. Configurável, adaptável, contanto que bolsos fossem suficientemente fundos.
Assim sendo, a opção (não comparável, mas possível) seria comprar um MacBook Pro. Eis senão quando, em 2017, foi lançado o iMac Pro. Lindo, cheio de garra. Atualmente está descontinuado, e escandalosamente, com suporte técnico difícil para impossível.
Entretanto, com a transição para os SoC proprietários da Apple, tudo mudou. A miniaturização destes processadores all-in-one, carregados de núcleos, a anos-luz da concorrência, ainda não chegou aos Mac Pro, deixando-os em pleno 2022, vetados aos inconvenientes chips da Intel.
Claro está, que é preciso dar aos consumidores o que eles necessitam, mas principalmente fazer com que gastem dinheiro nesse processo.
E o que melhor do que lançar um extraordinário (e caríssimo) monitor, anunciado como o parceiro indispensável para um novíssimo "Mac Mini mais crescidito" com um SoC M1 ao quadrado lá dentro? Falo do Mac Studio com processador M1 Max ou Ultra.
Ah pois, e passados três meses, lançaram o M2, que não tarda, será também"Maxado" ou "Ultrado". Quem sabe até "Extremado"...
3 acertos da Apple em 2022
Ilha Dinâmica
Eis um exemplo de criatividade capaz de concretizar inovação e, principalmente, surpresa junto do consumidor! Perante a incapacidade de contornar as leis da física, que determinam a imperatividade de um espaço negro capaz de acomodar a câmara e restantes sensores, a Apple decidiu transformar esta dificuldade numa vantagem distintiva. Característica esta, aliás, que pouco tempo depois foi literalmente emulada pela concorrência.
De repente, a secção do iPhone na qual residia o incómodo notch (que foi inclusivamente reproduzido nos novos MacBook Pro com processador M2) assumiu o centro das atenções, tendo aberto todo um inovador horizonte a ser explorado pelos criativos que por aí andam. Exemplo disto poderá ser lido num artigo que escrevi sobre dois jogos muito simples e divertidos que, justamente tiram partido da Ilha Dinâmica, por ora, reservada apenas às versões Pro e Pro Max do iPhone 14.
Ou seja, de um "mono" desagradável, que em comparação com o pequeno buraquinho circular da concorrência, constuía um gigantesco estorvo, com a sua reformulação para Ilha Dinâmica, todos passaram a querer um elemento original, interativo e multi-funções. Tive também ocasião de escrever sobre esta questão, aquando do lançamento da décima quarta iteração do iPhone, que poderás ler aqui.
Ultra, na verdadeira aceção da palavra
Finalmente uma lufada de ar fresco no segmento do Apple Watch. Pode não agradar a todos, mas é, claramente, um acerto estratégico. Tardio, mas bem-vindo.
A evolução recente do Apple Watch tinha vindo a basear-se exclusivamente em atrasos, repetições de processadores rebatizados, desilusões com novos designs que pouco ou nada mudaram. Desde o Series 6 que as "novidades" foram simplesmente insatisfatórias e, portanto, pouco motivadoras para o consumidor.
E eis que foi lançado o Ultra. Confesso que adoro vê-lo em imagens. Já no pulso, sinto-o como um bloco gigantesco. Mas o facto é que foi concebido a pensar em desportos radicais. Tem mesmo que parecer e ser efetivamente robusto.
Um portensoso equipamento ao qual não falta praticamente nada: autonomia, sensores, alertas. Super-resistente ao calor extremo e ao frio enregelante, dois GPS capazes de quase determinar ao centímetro a localização.
Design totalmente diferente, mas alinhado com que é esperado num smartwatch da Apple, dotado de um ecrã com uma qualidade sem precedentes. Não sendo consensual, este foi um claro acerto da Apple em 2022. Podes ler a nossa descrição do grande Ultra aqui.
Um ecossistema que, quanto mais se desenvolve, mais o queremos experimentar
Nunca antes a tríade iPhone, Apple Watch e AirPods foi tão harmoniosa. Não foi à toa que as novas gerações destes três dispositivos foram lançadas num só evento, no passado mês de setembro. O próprio Tim Cook, na sua intervenção de abertura, deixou bem claro que esta parceria é imbatível. E de facto, é.
Onde um termina, o outro começa. Mas, ao mesmo tempo, todos operam em simultâneo. Um triângo isósceles absolutamente perfeito.
Mas se isto ficasse por aqui, já não seria nada mau. A questão é que este ecossistema é muitíssimo mais poderoso, estendendo-se, logicamente a todos os dispositivos da marca.
O novo iOS 16, lançado também em setembro deste ano, apresentou, por exemplo, uma claríssima melhoria da app Casa.
Tão mais organizada. Absolutamente funcional em todos os dipositivos Apple (incluindo a Apple TV, que a empresa não incluiu nesta imagem promocional), conferindo ainda mais sentido à necessidade ter se ter um HomePod Mini em cada divisão da casa.
Por entre tantas outras novidades, os novos iOS 16 e macOS Ventura, trouxeram consigo mais um elemento de interligação: a câmara de continuidade. Esta nova funcionalidade permite-te utilizar a câmara do teu iPhone para fazeres chamadas FaceTime a partir do teu Mac.
É certo que, num primeiro momento, isto poderia parecer uma desculpa para comprares o suporte que a Belkin anunciou praticamente a seguir. Mas a questão é que dá mesmo jeito. Se estiveres numa chamada, sentado sossegadamente à frente do teu Mac, podes pegar no teu iPhone se quiseres mostrar alguma coisa aos teus interlocutores. Em contexto de trabalho dá imenso jeito, mas é igualmente interessante em qualquer situação.
Um ano conturbado, preenchido por altos e baixos
Os últimos 364 dias pareceram uma montanha russa (não. Não é um trocadilho deliberado). De confinamentos passámos para a total descontração. Entrámos numa guerra em que todos participam, mas que ninguém pode assumir. As consequências de tudo isto, só agora as começámos a sentir.
A Apple já anda nesta montanha russa há alguns anos. Adeus MagSafe. Olá MagSafe. Processos judiciais porque não incluem transformador do carregador. Teimosia em não aderir ao USB-C, quando este formato já equipa alguns iPad e outros tantos Macs. E tantas outras.
A empresa da maçã lançou-se num inteligente retorno às origens há dois anos. Desde a auto-produção dos seus SoC aos iMacs coloridos. A questão é que, nos tempos que correm, o consumidor é muito mais informado, e por esse motivo, muito mais exigente. Ou, pelo menos, deveria sê-lo.
Portanto, quando o círculo não se encerra, a crítica é mais acirrada. E com razão, diga-se. Continuamos a aguardar pelo novo Mac Pro, tendo um Mac Studio para ganhar tempo.
Quereríamos ter um Apple Watch com um design mais em linha com os restantes dispositivos Apple, tendo um Apple Watch Ultra, como alternativa, que concentrou tudo e mais alguma coisa num produto que não agrada a todos e custa €1000.
Mas... estamos a falar da Apple. Claro está, como digo sempre, o pior da Apple, mesmo ainda hoje, é melhor que o melhor da concorrência. Está tão longe o surgimento alguma empresa capaz de produzir e desenvolver um ecossistema tão brilhante. Que seja capaz de converter uma fraqueza numa absoluta novidade.
É isto, caros amigos. 2022 foi muito morno, no que concerne ao que a Apple nos apresentou. Talvez o problema resida na pressão decorrente de quatro momentos anuais em que tudo tem que ser renovado.
Mas é assim. A Apple foi a marca mais valiosa em 2022, seguida pela Amazon, Google, Microsoft, Wallmart, Samsung Group, Facebook, ICBC, Huawei e Verozon. De alguma maneira, morna, fria ou gelada, eles continuam e vão andando.
Cabe a todos os consumidores a exigência de mais, mas melhor. Adoro a Apple, mas não fecho os olhos para ignorar as suas evidentes falhas. Pena é que, como o mercado funciona a partir da concorrência, a Apple esteja tão à frente, que a dada altura, procupar-se, para quê?
2022: um ano de picos e de extremos na sociedade. A Apple parece impermeável a tudo isso, cavalgando sempre na crista da onda. Continuando, independentemente do contexto (pelo menos até agora), a criar os seus próprios picos e extremos, mesmo que não o pareçam, ou, principalmente, que o sejam.
Esperando que tenham passado um ótimo Natal, desejo a todos os nossos leitores um maravilhoso ano de 2023!
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