Nesta última semana, tenho plena convicção de que, pela primeira vez, muitos americanos aprenderam sobre a existência do eSIM. Para nós, que gostamos de tecnologia, o eSIM não é exatamente uma novidade. Ainda mais depois do evento no início do mês, em que a Apple anunciou que todos os novos iPhones seriam lançados apenas com suporte a eSIM nos Estados Unidos, o que eu só consigo imaginar que tenha apanhado ao menos uma parte das operadoras de telecomunicações de surpresa.
Observando as entrelinhas da forma como a Apple anunciou essa mudança, parece-me claro que ela vinha tentando desde 2018, com o iPhone XS, fazer o eSIM virar a regra, e não a exceção na forma como operadoras e clientes lidam com as suas linhas telefónicas. O problema foi que isso simplesmente não aconteceu, o que significa que ela seguiu investindo nessa tecnologia, e incluindo-a nos iPhones 11, 12 e 13 sem muito retorno. E pior, ela seguiu tendo que lidar, por exemplo, com o facto da pequena gaveta para cartões SIM ser um ponto de entrada de água, piorando a já questionável resistência do iPhone à água. Para piorar, a Apple volta e meia encontra-se envolvida em polémicas de iPhones roubados, acessos indevidos a aplicações de bancos possibilitados pela troca ou remoção do cartão SIM físico, e quem deveria mexer-se para resolver esse problema, que são as operadoras e os bancos, mexeram-se pouco para tal fim.
Por isso, eu tenho relativa certeza de que o anúncio da migração para o eSIM foi uma situação em que a Apple aproveitou-se do seu absolutamente gigantesco e desproporcional poder de barganha na relação com as operadoras, e informou-as, no palco, sobre uma mudança que ela veio sem sucesso tentando emplacar diretamente com elas nos bastidores do mercado desde o iPhone XS. É claro que essa mudança ser apenas nos EUA significa que o impacto que isso terá no mercado de smartphones será limitado, o que não significa que ele será pequeno. Não sei como está a situação em Portugal, mas no Brasil o cenário do eSIM é um absoluto caos de proporções infernalmente bíblicas. Eu próprio fui, na semana passada, a uma loja da minha operadora para experimentar a migração para o eSIM. Em suma, a minha linha ficou inacessível por 1 hora, a migração não funcionou, e quando a única solução encontrada foi a de voltar o meu número de telefone a um chip físico, voltaram com o número errado ao invés do meu. Uma rápida pesquisa na internet mostra que eu não sou a exceção, mas sim a regra neste cenário da confusa transição do chip físico para o eSIM.
E queres saber? Eu acho que a própria Apple tinha a certeza de que era justamente isso que iria acontecer ao redor do mundo. Ela sabe que essas mudanças, ainda que limitadas aos Estados Unidos, são observadas de perto e replicadas ao redor do mundo. Estou convencido de que mais pessoas migraram para o eSIM nestas últimas semanas do que nos últimos anos somados. Talvez multiplicados. Com a migração definitiva para o eSIM, a Apple apoiou-se na certeza que ela foi conquistando aos poucos de que as suas decisões têm o poder de mudar mercados. Foi assim com o fim das disquetes, foi assim com o fim dos leitores ópticos, foi assim com o fim das entradas ethernet, foi assim com o Flash, foi assim com o fim da entrada para os fones de ouvido e carregadores incluídos na caixa, e será assim também com o eSIM.
Analisando todo esse histórico, parece-me curioso pensar como dentro de 5, 10, 15 anos, poucos lembraremos de como foi confusa e cheia de percalços essa época de transição para eSIM. Da mesma forma, será fácil esquecermos que foi a Apple a grande motivadora desta mudança que trouxe benefícios que poucos saberemos reconhecer, mas da qual todos tiraremos pleno proveito quando o iPhone cair em uma piscina, for roubado, puder valer-se de alguns percentuais a mais de bateria conquistados graças à melhor utilização daquele espaço interno ou (e aqui vai minha aposta), estivermos a utilizar alguma funcionalidade ou tecnologia que só passou a existir graças ao fim da gavetinha do cartão SIM.
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