Ai, (Apple) Portugal, Portugal... de que é que tu estás à espera?

Esta maravilhosa canção de Jorge Palma poderia servir para uma conversa sobre o seu impacto na minha, e na vida de muita gente. Sobre o que sentimos quando ouvimos uma música que nos pontua a memória e nos traz recordações de outros tempos. Só que não.

Este trecho do refrão desta composição lançada em 1982 no álbum Acto Contínuo, deu-me o mote para fazer um pequeno apanhado (e algo mais) de alguns assuntos que abordamos aqui no iFeed sobre o nosso pequeno país à beira-mar plantado.

Pertencemos a tempos em que a tendência já não é tanto a invenção ou a descoberta, mas antes a previsão aproximada de quando determinadas coisas irão estar disponíveis no futuro. Não se descobre a penicilina ou o raio-x por acaso. Contempla-se é que dentro de não sei quantos anos iremos conseguir curar o cancro ou assentar uma colónia em Marte.

Frustrante é saber que quando certas criações são concretizadas, elas não são disponibilizadas globalmente por motivações estratégicas associadas ao valor que poderão gerar mediante a representatividade das quotas de mercado em cada país.

Muitas coisas que poderiam ajudar a Humanidade (e muito) no âmbito, por exemplo da Saúde, ainda não estão cá fora porque muitos consideram a sua rentabilidade é insuficiente para a sustentação dos tubarões corporativos.

Bom, mas centremo-nos na Apple. De que é que tu estás à espera?

Siri em Português

A Siri opera de modo transversal em todos os dispositivos Apple. E é tão agradável começar a ver uma série na Apple TV, dizer ao HomePod para preparar o mapa no CarPlay para a viagem que se vai fazer e, quando se chega ao destino, olhar para o Apple Watch e ouvir qualquer coisa através AirPods. Pois. Spooky... aquela IA anda sempre connosco, qual Skynet do filme Terminator. Mas é muito giro para quem gosta. Só que isto não acontece na nossa língua materna!

Caso não tenham reparado, no menu Acessibilidade podemos programar o Safari para nos ler os textos. Em português de Portugal! Claramente existiu alguém que foi pago para gravar as palavras do nosso país.

Por outro lado, primindo na tecla "fn" duas vezes, podemos ditar texto em português de Portugal numa aplicação do nosso Mac, ferramente que funciona surpreendemente bem no Word, Editor de Texto, Pages, e.o.

Portanto pergunto-me, assumindo a minha ignorância técnica no que respeita a potenciais dificuldades em termos da sua aplicabilidade

Se já existem palavras gravadas em português de Portugal que me são lidas e se os dispositivos Apple reconhecem os meus ditados com poucas ou nenhumas falhas, não seria simples existir uma Siri na nossa língua materna?
Lá dar, dá... mas em português do Brasil. | Fonte: Apple

Tratar-se-á de uma questão de programação cujo investimento não compensa? Não será este passo relativamente simples?

Apple TV

Ainda no seguimento do ponto anterior, então vamos ver: já é mau não ter a Siri em português de Portugal. Mas pior ainda é ter uma Apple TV cuja Siri nem sequer está disponível em inglês porque a região definida é Portugal! Por estas e por outras, tenho tudo (como sempre tive) em inglês. Ter que falar em inglês não me incomoda, mas não faz sentido. Mas falar em português do Brasil também não.

No Apple Support, Portugal não está na lista. | Fonte: Apple

Como estou sempre a pedir músicas das minhas queridas bandas anglo-saxónicas, e como a Siri não compreende duas línguas em simultâneo (falar em português e pedir uma música em inglês é o cabo dos trabalhos), o inglês acabou mesmo por ficar.

Mas quer dizer: nem isso posso fazer na Apple TV, quando o iPhone, iPad, AirPods, Apple Watch e iMac podem? Tenho que "mentir" dizendo que estou noutro país, para que a Apple TV me reconheça a possibilidade de ter a Siri em inglês?

Apple Pay

É certo que já avançamos muito desde o lançamento do Apple Pay. Se consultarmos a lista de bancos associados a este serviço, o panorama já é relativamente animador. Mas demorou mesmo muito tempo a chegar lá. Não contemplando empresas financeiras como a Cetelem ou a FNAC, bem como empresas internacionais de cartões virtuais, em Portugal temos o Activo Bank, Montepio Geral, Caixa Geral de Depósitos, Crédito Agrícola, Millennium BCP,  Santander e o Universo. Já foram menos. Mas ainda faltam muitos outros.

Apple Pay | Fonte: Apple

Apple Card

Bom... neste caso é ver no que isto vai dar. O Apple Card acaba por ser um Revolut da Apple. Mas quando me tento inscrever sou informado que:

Fonte: Apple

Portanto, tal como no caso da Apple TV, é a própria Apple que me diz para mudar o meu país nas configurações?? De qualquer modo, como isto gera muito dinheiro, é mais para "amanhã" do que para o "mês que vem" até que este serviço se espalhe de modo viral em todo o mundo. E como será de esperar, muito provavelmente acabará por arrumar muita da concorrência.

HomePod Mini

Esta não tem mesmo razão de ser. Porque é que a Apple lança uma pequena coluna de assistência doméstica do tamanho de uma laranja em Espanha e não aqui em Portugal? É uma coisa banal e barata. Não é compreensível. A FNAC já teve a irmã mais velha e caríssima nos seus escaparates aquando do seu lançamento. Como podem ver, esta é a única diferença entre as Apple Store americana e portuguesa. Deve ser mesmo importante por qualquer motivo que me escapa...

Apple Store americana | Fonte: Apple
Apple Store portuguesa | Fonte: Apple

Se quiseres várias dicas sobre o HomePod Mini e mesmo onde o poderás comprar facilmente, clica aqui.

Apple Store física

Já aqui escrevemos sobre isto. Para quando uma Apple Store em Portugal? O artigo do Nuno Rocha ilustra muitíssimo bem as nossas expectativas. Temos uma pequena cadeia de revendores que se assemelha a uma Apple Store, bem como micro-segmentos de lojas como a FNAC, a Worten e o El Corte Inglés onde são concentrados os produtos da marca.

Mas não temos uma Apple Store física. No tal país multipremiado na área do Turismo. Que fosse uma em Lisboa e outra no Porto. Lisboa, o tal grande símbolo da Web Summit, um mais impactantes eventos tecnológicos do mundo. A capital do país que é uma das grandes portas da entrada de turistas na Europa.

Tenho noção que em termos culturais (enquanto modus vivendi no quotidiano), os portugueses gostam de tomar café e de dar uma volta. Talvez a Apple Store não fosse usada da mesma forma que como se vê por esses países fora. Mas em primeira análise é uma loja. Compram-se lá os produtos da Apple. É oferecida assistência técnica sem intermediários. E sim, é um ponto de atração arquitetónico que atrai pessoas e que confere o aspeto familiar ao turista que quer comprar ou arranjar um produto da Apple. Há McDonalds em todo o mundo. Sempre com o mesmo aspeto. Reconhecível em qualquer língua. O mesmo se passa com as Apple Stores.

Apple One

O Apple One oferece num único pacote o Apple Music, Apple TV+, Apple Arcade, Apple News+, Apple Fitness+ e o iCloud, este último com várias opções associadas. Mas há uma grande diferença entre o website americano e o português:

Apple One: versão americana | Fonte: Apple
Apple One: versão portuguesa | Fonte: Apple

Notam alguma diferença? Aparentemente Portugal não deve ter estrutura para uma app de notícias e outra de Fitness. Mas pode-se comprar o Apple Watch, fortemente orientado para a prática desportiva. Acho que está tudo dito.

Portanto, Portugal não é digno da opção Premier. Temos acesso à subscrição individual e familiar, mas não a "especial de corrida", na qual o iCloud chega a ter 2TB de espaço de armazenamento. Bom, mas parece que para conseguir esse espaço já vários caminhos alternativos. Mas porquê contornar as regras? Ah, pois, a Apple disse em duas ocasiões lá em cima para dizer que estou num país diferente.

Vodafone TV

Já falei sobre esta questão neste artigo. Aqui o problema é mesmo Vodafone do que com a própria Apple. Mas lá está: ocorre no meu país e incomoda-me! Pois então se a NOS e a Altice já têm uma Apple TV que substitui a box, a Vodafone tinha que ser diferente. Lá que é diferente e melhor em muita coisa, isso é. Mas nesta... nesta é que não devia.

A Alemanha é único país europeu em que esta opção é disponibilizada pela empresa. Bom, se este pacote existe é porque a Vodafone já testou e implementou esta tecnologia. Portanto... de que é que tu estás também à espera, Vodafone?

Nota: texto traduzido do alemão | Fonte: Vodafone.de

É que o caminho está a ser cada vez a ser dirigido no sentido de termos tudo concentrado num único dispositivo, interligado em ecossistema, com a menor dimensão possível. Seja Apple ou de outra marca qualquer. Talvez a Vodafone considere que só na Alemanha é pode haver escolha. Nos restantes países, para quem quer contratar os serviços desta empresa e tenha uma Apple TV, que se acumule a tralha e os comandos.

Vamos continuar à espera?

É muito provável. Apesar de nas notícias todos os dias se falarem dos recordes que se ultrapassaram. Que Portugal está na vanguarda da inovação tecnológica em poucos, mas muito contretos campois. Que o nosso país está na linha da frente neste e naquele ponto em relação aos seus congéneres europeus (e até mundiais).

Vivemos no mundo da quantidade. Do acrescento. Do "acrescenta um ponto". E muitas vezes obscurecem-se verdades que são por si só muito lisonjeiras. Não precisam de embelezamentos. Mas enfim, é uma realidade em que se enche a boca.

De modo acrítico, partindo desta premissa, então o nosso país, que já vale muito por si mesmo, nem tamanho empolamento mediático a Apple considera suficiente olhar para aqui.

Está mal! Isto justificaria, enquanto consumidores, largar tudo e aderir, por exemplo, à Google, que existe totalmente em português e tem um vastíssimo ecossistema.

Pois. Justificar, justificaria. O problema é que na balança pesam outros fatores. A qualidade, rapidez, robustez, eficiência, design, simplicidade, inovação... O facto é que a Apple prende os seus consumidores por ser realmente muito melhor que os seus congéneres. Falo por mim, mas enquanto me for possível não mudarei até a concorrência me provar o contrário. Há cada vez mais players no mercado. E em vez de trazerem mais opções viáveis fazem mais do mesmo ou tentam imitar a baixo custo a maçãzinha.

Arrogância ou mera estratégia de não investir onde a perspetiva de lucro não é tão viável? Um bocadinho dos dois? Embora se assista a alguns passos na boa direção, parece que neste país tudo é mais lento.

Será este mais um sintoma de que afinal não evoluímos assim tanto no panorama internacional nas últimas décadas? Será que afinal, por muito que pareça, temos muito que trabalhar para atingir a excelência que apregoamos ter? A ser verdade, para isso é preciso que cresçamos culturalmente. E para isso é preciso um excelente sistema educativo, o que não se avizinha fácil.

Sou português e tenho orgulho em sê-lo. Mas critico o que considero que deve ser criticado para que possamos, enquanto comunidade multicultural e globalizada, crescer e evoluir.

De qualquer forma não nos enganemos: o problema aqui está claramente na Apple. Mas não podemos estar sempre a apontar o dedo sem pensar que, se um problema existe, muitas vezes a culpa não morre solteira.