Enquanto o mundo Apple teve uma semana relativamente calma, apenas com as mesmas repetições de rumores dos produtos que podem ser lançados ao longo dos próximos 12 meses, o mundo das redes sociais teve dias bem agitados da metade da semana para cá por conta dos acontecimentos no Capitólio americano.
Na crónica “Se a Apple comprar o TikTok, eu desisto”, eu comentei que, apesar de achar improvável a veracidade do rumor de que a Apple estava a considerar comprar o TikTok, o atual foco em serviços tornava essa aquisição algo ao menos possível.
Eu escrevi que “Da lista de coisas às quais a Apple precisa de se dedicar, parece-me que a moderação de uma rede social e as inerentes polémicas envolvendo o equilíbrio entre liberdade de expressão e manipulação política não fazem parte do top 20.000.”, e acho que dados os eventos da última semana, essa frase parece-me ainda mais verdadeira.
Quem acompanha de perto as movimentações de bastidores do mercado de redes sociais já deve ter escutado falar da Secção 230 do código legal americano. Sendo bastante reducionista, ela prevê que as redes sociais não podem ser responsabilizadas legalmente pelo conteúdo postado pelos seus utilizadores. Especialmente no último ano, a Secção 230 foi bastante criticada por quem acredita que ao não combater mentiras, ameaças e incentivos (mesmo que velados) à violência, as redes sociais tornam-se co-responsáveis pelas consequências.
Na prática, os críticos da Secção 230 esperam que, ao correrem o risco de serem responsabilizadas por crimes promovidos nas suas plataformas, as redes sociais parem de dizer que “moderação é difícil” e encontrem uma solução rápida e eficiente, assim como fazem quando precisam de contornar recursos de privacidade para explorar os nossos dados.
Uma coisa curiosa sobre a Secção 230, é que recentemente ela passou a ser criticada por Donald Trump, como parte da lista de argumentos que promovem a ideia de que as redes sociais formam uma espécie de complô contra conservadores. Trump diz que a chamada Big Tech é a nova inimiga do povo, junto da imprensa, e por isso a Secção 230 precisa de acabar. Confesso que essa opinião ainda me confunde, já que o fim da Secção 230 provavelmente significaria que eventos como o que Trump promoveu em Washington na quarta-feira provavelmente seriam impedidos pelo Twitter ou pelo Facebook de serem planeados, promovidos ou incitados nessas plataformas.
Nota que sequer estou a falar sobre a rede Parler, que vem a ser adotada pelo público que se diz perseguido pela Big Tech e que geralmente usa o argumento da liberdade de expressão como o tal escudo mágico que impediria a pessoa de sofrer consequências pelo que diz (lembrando que a liberdade de expressão significa que o GOVERNO não pode prender-te pelo que dizes, mas não significa que empresas, plataformas ou sites privados não possam ter regras de conduta). O próprio Parler procurou atrair esse público pseudo-perseguido, dizendo que lá não haveria limitação da liberdade de expressão, mas meses depois de seu sucesso inicial, o CEO da rede precisou de vir a público e dizer que “Se discordar de alguém, postar fotos da sua matéria fecal na área de comentários não será tolerado” e que “Não pode ameaçar matar ninguém na área de comentários”. Pois é…
O que me traz de volta à perene ideia de que a Apple precisa de entrar no mercado de redes sociais. Enquanto é verdade que ela já perseguiu iniciativas assim, elas se limitaram a ideias natimortas como o iTunes Ping e a desértica área social do Apple Music, em que utilizadores podem seguir-se para acompanhar as playlists uns dos outros. Na realidade, no lançamento do Apple Music, a plataforma contava com uma área social em que artistas podiam postar conteúdos exclusivos para os fãs, mas ele nunca foi adotado em grande escala e foi descontinuado anos mais tarde.
Essa abordagem de rede social, em que não há uma interação direta livre entre os utilizadores, parece-me ser o mais próximo de uma rede social que a Apple chegará a lançar. E acredito que, mesmo que houvesse algum tipo de plano de lançar uma rede social mais completa, esses planos teriam sido colocados na gaveta depois do que aconteceu em Washington na última semana.
De todos os processos que a Apple tem vindo a enfrentar, de todas as polémicas em que a empresa está envolvida, se há uma coisa da qual ela definitivamente não precisa, é da dor de cabeça de proporcionar um palco para o incentivo à violência e à intolerância. E que bom que, mesmo com essa sede insaciável pelo aumento do faturamento da área de serviços, esse é um limite que a Apple não parece ter o menor interesse de cruzar.
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