iPhone, prepara-te: és o próximo
Marcus Mendes

iPhone, prepara-te: és o próximo

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Nem toda a gente deve saber ou lembrar-se, mas o evento de apresentação do iPod teve um clima bastante diferente do que estamos acostumados a ver hoje em dia. Parte disso, é claro, dá-se pelo facto do evento ter acontecido apenas 6 semanas após o ataque às Torres Gémeas em NY. Se não me falha a memória, o evento deveria ter acontecido mais próximo à data do ataque, mas foi adiado por motivos óbvios.

A outra parte, é claro, dá-se pelo facto de estarmos a falar de uma Apple que, em 2001, era apenas uma fração da empresa que conhecemos hoje em dia. Steve Jobs tinha regressado há pouco tempo, o iMac G3 ainda causava bastante entusiasmo, e o trauma da proximidade da falência ainda pairava no ar em Cupertino.

Por outro lado, Steve Jobs sabia que tinha em mãos (ou melhor, no bolso), o produto que iria redefinir a Apple como empresa. Ao apresentar o primeiro iPod, com a proposta de oferecer “1000 músicas no seu bolso”, a Apple mudou a indústria fonográfica, a indústria da computação e a indústria de bens de consumo numa tacada só. Mais do que isso, o iPod redefiniu também a Apple. Ao longo da sua vida, o iPod foi responsável por mudanças de paradigma dentro da empresa, incluindo a ideia de torná-lo compatível com o Windows, o que fez a Apple abrir a porta a um novo leque de potenciais clientes, muitos deles utilizadores de Macs e iPhones hoje em dia.

Pensando assim, não é nada difícil traçar uma linha quase reta entre o sucesso do iPod e o sucesso do iPhone. O que é irónico, já que foi justamente o sucesso do iPhone que nos trouxe até aqui, hoje, data em que a Apple anunciou que o último iPod à venda está a ser descontinuado.

Ao longo destes 20 anos, 6 meses, 18 dias, algumas horas, minutos e segundos, o iPod no seu ápice (em 2006) chegou a representar 40% do faturamento da Apple, e chegou a vender 54,8 milhões de unidades em 2007 (ano de lançamento do iPod touch). Por isso, não é nenhum exagero dizer que talvez o iPod tenha sido mais essencial para a história da Apple do que o próprio iPhone, já que foi ele que ajudou a Apple a sair do buraco financeiro em que ela se encontrava, e abriu caminho para a criação do iPhone, iPad, Apple Watch, e da própria App Store (que, diga-se, funciona até hoje baseada na estrutura da iTunes Store, com os desenvolvedores a serem registados internamente como artistas, e as suas aplicações sendo registadas como canções).

Agora, mesmo com toda essa importância histórica, não é nenhuma surpresa que este seja o fim da linha para o iPod. O seu faturamento e a quantidade de unidades vendidas são irrisórias para a Apple de hoje em dia, e o próprio facto da geração mais atual ter sido lançada num longínquo 2019 eram dicas claras do que estava para vir. Ainda assim, o fim da linha para o iPod representa o fim de uma era. É o final de mais um pedacinho da Apple de Steve Jobs. É o final de uma linha de produtos com a qual milhões e milhões de pessoas se relacionaram todos os dias, quando ainda era algo absolutamente mágico carregar 1000 músicas no bolso (o que na época parecia uma quantidade infinita). É o final da linha, sem exagero, para um pedaço da história da computação.

Mas também é uma lição de sobrevivência. Se a Apple tivesse continuado a investir apenas no iPod, desviando recursos do iPhone, por exemplo, por medo de afetar as vendas, estaríamos a viver num mundo possivelmente muito diferente. Este argumento de “é melhor nós canibalizarmos as nossas próprias vendas, ao invés de esperar um concorrente fazer isso” vem sendo dado pela Apple desde o lançamento do iPad, quando ela passou a ser questionada sobre o quanto isso passaria a afetar as vendas do iPhone.

Aliás, o fim da linha para o iPod também representa um marco para o iPhone. Afinal, ele também está próximo de completar duas décadas de existência. E apesar de hoje em dia ser impensável que um dia ele possa ser descontinuado, acho que todos diríamos o mesmo sobre o iPod no início da década de 2010.

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Opinião