O segmento de streaming de vídeo é um dos mais confusos que existe. Parte disso é resultado do absoluto caos que são os assuntos de direitos autorais e direitos de distribuição/exibição de conteúdos ao redor do planeta, herança de quando o mercado todo era engessado como parte de um acordo entre os estúdios de hollywood e os canais de TV por cabo.
No Brasil, por exemplo, existe uma lei (que está em processo de ser ajustada) que proíbe um estúdio de TV de distribuir diretamente o seu conteúdo ao consumidor final. Esta lei determina que deve haver um intermediador entre o produtor de conteúdo e o consumidor final, e por muitos anos ela foi determinante para estender – ainda que por somente mais alguns anos – o poder de barganha que as TVs por cabo ainda tinham sobre o mercado. E foi por isso que a Fox, logo antes de ser comprada pela Disney, lançou e teve de tirar do ar um serviço de streaming que contava até mesmo com acesso direto à programação dos seus canais de TV por cabo. No fim das contas, o serviço foi descontinuado como parte da restruturação resultante da compra da Disney, mas essa confusão deu início a um importante processo que revisará as leis de distribuição de conteúdo para estarem em conformidade não apenas com a realidade do consumo de entretenimento, mas também em linha com leis parecidas no resto do mundo.
Conto esta pequena anedota para ilustrar como, apesar de ser um dos mercados mais movimentados, o segmento de entretenimento vive uma grande crise de identidade. De um lado, os estúdios seguem brigando para manterem um mínimo de poder de barganha frente à distribuição dos seus conteúdos, o que sempre foi a fonte mais consistente da fortuna que move Hollywood. Do outro lado, o público está cada vez mais acostumado com a ideia (e a expectativa) de ter acesso irrestrito aos últimos lançamentos do cinema e da TV, o que pode ser comprovado inclusive pela queda na atividade e no volume de materiais pirateados.
Esta nova era, como sabemos, começou com a Netflix. Assim que os seus conteúdos originais, como House of Cards e Stranger Things deram certo, os estúdios passaram a nutrir a ideia de lançarem os seus próprios serviços de streaming. O resultado é essa aparente infindável seleção de plataformas de streaming, e a dificuldade cada vez maior de achar bons conteúdos – ou de pelo menos ter a sorte de estar a assinar a plataforma correta, no momento correto em que surgir o interesse por ver alguma novidade.
No meio de todos esses serviços, está o Apple TV+. Lançado após o fracasso do (terrível) programa Planet of the Apps, o serviço contava com uma oferta minúscula de conteúdos. De entre eles, For All Mankind, The Morning Show, e See. Nos bastidores, a intenção da Apple de concorrer de igual para igual com os gigantes de Hollywood na distribuição de conteúdo, e a entrega de qualidade dos seus primeiros conteúdos originais, atraiu talentos lendários do mercado do entretenimento, dentre eles Richard Plepler, ex-CEO da HBO. Hoje está cada vez mais claro como esta contratação foi essencial para o Apple TV+ tomar o caminho que tomou, e se tornar um dos melhores (se não o melhor) serviço de streaming quando observado sob o espectro de custo-benefício.
E isso não é exatamente uma surpresa. Sob a liderança de Plepler, a HBO ganhou mais de 100 Emmys, a quantidade de assinantes das propriedades da HBO (à época ainda presas à TV a cabo) aumentaram em 40 milhões, e a receita do grupo também aumentou em 40%. O lançamento de séries aclamadas como True Detective e Big Little Lies deram a Plepler o respeito que foi imputado quase automaticamente à Apple quando ele passou a comandar parte da operação do Apple TV+.
É claro que o sucesso da HBO como uma grande produtora de conteúdo não começou com Plepler. O canal já tinha grandes sucessos, como Sopranos, Sex and the City, The Newsroom e muitos outros. Este output consistente de conteúdos, inclusive, foi o que fez a própria Netflix dizer que, no mundo do streaming, ela pretendia virar a HBO mais rápido do que a HBO viraria a Netflix, ou seja, ela pretendia aumentar a quantidade de conteúdos aclamados por público e crítica, mais rápido do que a HBO poderia aumentar a sua quantidade de conteúdos em geral para concorrer no mercado de streaming.
Não deu certo. Hoje, nem a Netflix e nem a HBO têm uma gama tão consistente de bons conteúdos quanto o Apple TV+. O que não significa que todos não tenham bons conteúdos. Mas pensando no Oscar, por exemplo, não foi a HBO e nem a Netflix que levaram o prémio de melhor filme trazido por um serviço de streaming. Olhando para o Emmy, a Apple e a HBO têm se dado proporcionalmente melhor do que a Netflix quando observamos a quantidade de indicações versus a quantidade de prémios conquistados.
E olhando para os preços das TVs por assinatura, fica difícil refutar a ideia de que o Apple TV+ seja, hoje, o melhor entretenimento que poderás encontrar para um fim de semana pelo menor preço. A nova temporada de For All Mankind e absolutamente todos os episódios de Ted Lasso que o digam.
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