Para uma "Realidade Alternativa": uma visão (Pro) que mudará tudo
Gostaria de apresentar aqui um estudo aprofundado, repleto de informação e de dados trabalhados, mas este não é nem o lugar, nem o tempo para isso. Há mesmo muitos artigos científicos e páginas na Internet com cronologias desta eterna busca do ser humano no sentido de uma miscigenação com o cosmos cibernético, esse universo misterioso e infinito, que ele próprio criou.
Ainda assim, a título de exemplo, poderão ler o artigo dos investigadores Carlos Flavián, Sergio Ibáñez-Sánchez e Carlos Orús, da Universidad de Zaragoza, intitulado "The impact of virtual, augmented and mixed reality technologies on the customer experience". Aproveitem ainda para dar uma vista de olhos numas cronologias muito interessantes sobre a história da Realidade Virtual nos websites Virtual Speech, Virtual Reality Society, VR.Space e Veredict. Finalmente, se quiserem umas definições curtas e esclarecedoras sobre as "realidades", visitem esta página da Intel.
Agora que já vos dei algumas fontes para contextualizar, digo-vos que eu próprio fiquei atónito com o engenho e perseverança de todo este esforço de pesquisa e inovação que nos trouxe a este ano em que Apple anunciou o Vision Pro.
Tema fraturante
Eu sei que "fraturante" é uma expressão muito em voga. Mas é sobre isso mesmo que estou a escrever, sabendo eu que nunca se chegará a um consenso. É que, quer o caso da Inteligência Artificial (para a qual muitos especialistas apelaram a uma pausa), quer o caso dos headsets de realidade virtual, artificial, aumentada, mista, ou qualquer que seja a expressão que melhor vos aprouver, já não existe forma de travar o impacto colossal destas tecnologias que, interligadas, irão mudar para sempre o mundo como o conhecemos.
Dentro de poucos dias, mais precisamente, a 29 de junho, passarão exatamente 16 anos desde a comercialização do primeiro iPhone nos Estados Unidos. Como que um vírus (maravilhoso), espalhou-se pelo globo. Segundo o website Bankmycell, em 2007, foram vendidas cerca de 1,39 milhões de iPhone, tendo, em 2022, este número crescido para uns estonteantes 225,30 milhões!
Não digo que os Vision Pro seguirão o mesmo trajeto-relâmpago. Há muitas variáveis a ter em conta. Desde logo, o preço. É caríssimo! Mas suponhamos que o dinheiro não seria um problema. A adoção de uns "óculos" deste género, que teríamos que utilizar na rua, no trabalho e em casa, implicaria uma total mudança de paradigma no quotidiano da humanidade.
Seria, antes de mais, necessário que a maioria das pessoas considerasse bonito, "na moda", e prático, o ato de usar este apetrecho na cara todos os dias.
Há uma outra dimensão, aliás, expressada por Mark Zuckerberg: a tendência para o isolamento. É certo que, enquanto promotor do seu próprio headset - o Quest 3 VR - só poderia tecer um comentário desencorajador relativemente ao produto que irá destronar toda a concorrência. Mas não deixa de ser verdade. Destacando que o Vision Pro representa o oposto à sua visão, Zuckerberg afirma que o novo dispositivo da Apple apenas conduzirá as pessoas para um isolamento mais profundo.
Se pensarmos bem, todos os smartphones são uma fonte de isolamento nos tempos que correm. Como sabem, já há, por exemplo, restaurantes que não têm Wi-Fi de propósito, ou que proíbem a utilização de telefones no seu interior.
Um dos exemplos que considero mais assustadores é assistir a bebés completamente vidrados num smartphone ou num tablet acoplados aos seus carrinhos de transporte. E, já, agora, os mais crescidinhos a receber estes dispositivos nas mãos para estarem caladinhos, enquanto os pais tentam saborear a sua refeição num qualquer espaço de restauração.
Por outro lado...
A Apple nunca desilude. Considerando que a miniaturização ainda está longe de chegar onde queremos, a empresa da maçã conseguiu concretizar todos os meus sonhos de infância. Sempre senti um profundo fascínio pela ficção científica. Ter assistido ao vídeo de apresentação dos Vision Pro fez-me sentir um absoluto sortudo por estar vivo num momento em que este tipo de produto se tornou realidade.
Se a experiência que a Apple descreve for em tudo verdadeira, o maior problema será não ter os 3.499 dólares para poder comprar um exemplar. Sobretudo para quem vive sozinho, a primeira coisa que morrerá instantaneamente serão todas as televisões da sua casa. A seguir, e já em linha do que muitos fazem (tendo uma televisão 4K e um bom sistema de som), para quê, no fim de contas, ir ao cinema?
Por outro lado, é como escrevi acima: wowwwww! Tenho todas as apps em pleno ar, um ecrã gigantesco para o meu Mac, ou melhor ainda, todas as janelas espalhadas à minha volta! É absolutamente extraordinário o mundo de imersividade que Apple colocará à minha disposição! E com texturas, definição incrível e reatividade incomparável, sendo os limites praticamente ilimitados.
Não posso ignorar tudo isto. É bom demais para tentar esconder. É tudo o que sempre quis experienciar quando via aqueles filmes Sci-Fi quando era criança. Bom, e quando os vejo hoje em dia.
"Realidade Alternativa"
Pertenço a uma geração de sonhadores. De pessoas que interagiam com a tecnologia sem comando de televisão, e muito menos Internet. De crianças que viam o 2001 - Uma Odisseia no Espaço e tremiam de medo do H.A.L.. Tudo o que via e lia, deixava-me entristecido por saber que aquelas imagens e palavras não passavam de ficção. Não era, simplesmente, real.
Para a nova Geração Alpha (aqueles que nasceram, e nascerão entre 2013 e 2025), e a sua descendência, não existirão fraturas, dúvidas ou angústias. O mundo dos headsets e da Inteligência Artificial integrará o seu dia a dia com a maior das banalidades. Será o seu normal. A sua realidade. E nada do que possamos dizer ou fazer mudará seja o que for. A não ser, claro, que haja uma catástrofe natural ou nuclear que trave a humanidade. E filmes também não faltam que muito bem ilustram este cenário.
Gosto muito de um conceito sociológico designado "Anomia". Como afirmava o seu percussor, Émile Durkheim, quando se verifica uma mudança social de grande alcance como, por exemplo, a industrialização, ou, no caso em apreço, a brutal revolução tecnológica, poderá ocorrer um estado de desintegração social, ocasionado pelo desaparecimento dos antigos princípios de estrutura e ordem, o que enfraquece a coesão social.
Este fenómeno forma uma nova ordem coletiva, aplaudida por uns, renegada por outros, deixando pelo meio aqueles que, aceitando, por saber que não há como voltar atrás, são inundados por uma maior ou menor sensação de ausência de pertença e desconexão com a sociedade. Esses, vivem num limbo.
Não sou um hater, até porque adoro tecnologia. Contudo, o meu olhar é necessariamente crítico. Até porque a literatura e o cinema já abordaram profusamente as consequências do impacto da tecnologia na sociedade. Fomos, e estamos avisados.
O desenvolvimento sustentável é a grande bandeira hasteada pelos mais jovens. A (mais que legítima) preocupação com o futuro do planeta, com todos os dedos apontados para os criminosos das gerações anteriores, que nada mais fizeram do que destruir este globo azul em que vivemos. Que nunca pararam para pensar nos que iriam nascer depois, e para os quais estaria reservada a pérfida herança de um mundo inabitável.
Totalmente verdade! Acontece que, para a maioria, o contexto da altura era perseguir os sonhos. Ir mais longe. Sim: sem pensar nas consequências. Porque não se sabia muito mais. Porque não havia conhecimento, preocupações sociais e ambientais. Porque a ignorância abundava.
Mas hoje, e dirigindo-me a todas as gerações (incluindo, claro, a minha), não há desculpa. Hoje, conhecem as causas e as consequências. Ninguém pode afirmar que não consegue compreender os impactos positivos e negativos da tecnologia.
Portanto, de hoje em diante, a responsabilidade é toda nossa, com tudo o que a pesadíssima carga desta palavra acarreta.
Adoro o Vision Pro. Adoro o iPhone. Adoro a minha casa "smartificada". Adoro tudo isso. Quero mais, é estar por aqui para assistir aos robôs inteligentes, aos carros autónomos (e quem sabe, voadores), aos hologramas em casa. A tudo isso, e a muito mais (venha o teletransporte)!
Mas tem que haver uma fronteira. Um limite. Caso contrário, a realidade "alternativa" de que falo hoje, deixará de o ser. Será A realidade, tal como a conhecemos.
E será que é isso que queremos?