Quando a semana começou, eu não achei que escreveria a crónica deste domingo por causa do Donald Trump. Mas cá estamos.
A menos que tenhas passado os últimos dias numa caverna ou ilha deserta, deves ter lido que a Microsoft e a ByteDance vinham a negociar secretamente, há semanas, a venda das operações do TikTok nos Estados Unidos e em alguns outros países.
A notícia surgiu depois que, ao ficar sabendo da negociação, Donald Trump disse a jornalistas que não permitiria o prosseguimento dessa negociação. Acrescentando ainda que assinaria um decreto proibindo o TikTok de funcionar nos Estados Unidos. Isso, claro, não aconteceu.
No entanto, o que aconteceu foi uma sucessão de notícias, vazamentos e até mesmo press releases das empresas envolvidas tentando reassumir a narrativa e o controlo da situação.
Satya Nadella conversou com Donald Trump pelo telefone e, após uma conversa que todo o mercado de tecnologia ainda torce para que tenha o teor vazado, convenceu Trump que a venda do TikTok nos Estados Unidos seria algo positivo não só para os Estados Unidos, mas também para o próprio político na sua cruzada ufanista pré-eleitoral.
Dos detalhes que foram vazados, duas coisas chamaram à atenção: o limite de 15 de setembro para que as negociações sejam concluídas antes de um improvável bloqueio definitivo do TikTok no país, e a exigência de que parte do dinheiro desta negociação precisará ser destinado ao Tesouro americano por motivos que somente a psique de Trump saberá justificar.
Como se todo esse imbróglio não bastasse, é claro que não tardaram a surgir especulações sobre outras empresas que estariam interessadas em comprar o TikTok. Uma dessas empresas, claro, seria a Apple.
Por um lado, é compreensível que praticamente qualquer empresa esteja considerando comprar o TikTok. Poxa, EU compraria o TikTok se tivesse a oportunidade (alguém aí tem entre US$ 10 bilhões e US$ 30 bilhões para emprestar?). Esta é uma rede social em plena ascensão num dos mercados mais concorridos e mais importantes do mundo da tecnologia, e ela está à venda! Eu aposto que Mark Zuckerberg tem passado noites em claro maquinando uma forma de comprar o TikTok que seria aprovada pelos órgãos regulatórios competentes. É claro que isso seria impossível já que, dado o cenário atual, o Facebook não pode comprar um saco de cacetinhos sem ser investigado. Mas a esperança é a última que morre, não é mesmo?
Por isso, ok. É de se considerar que a compra do TikTok tenha passado pelas cabeças e pelas calculadoras de Cupertino. Ainda assim, a compra do TikTok seria uma das decisões mais incompreensíveis da Maçã desde o lançamento do Apple Pippin. Da lista de coisas às quais a Apple precisa se dedicar, parece-me que a moderação de uma rede social e as inerentes polémicas envolvendo o equilíbrio entre liberdade de expressão e manipulação política não fazem parte do top 20.000. É como a história de que a Apple deveria comprar o DuckDuckGo, e o contra-argumento de que isso é desnecessário pois ela já fatura estimados +US$10 bilhões com o facto da Google ser o motor de busca oficial do iOS.
O problema é que, para a Apple de hoje, essa compra também me parece inexplicavelmente possível. De óculos conectados ao Projeto Titan, de Planet of The Apps ao Apple News+, se existe uma constante na Apple da última década é que não dá mais para usar a lógica para descrever as decisões ou as apostas da empresa.
Assim como todas as outras gigantes do mercado de tecnologia, a Apple adotou o modus-operandi de atuar em todos os segmentos possíveis que possam ter qualquer relação com a operação principal da companhia. Séries, filmes, documentários, jogos, notícias, programas de rádio, podcasts, fones, cartão de crédito, iniciativas de saúde, realidade imersiva, carros, satélites. A expansão lateral da Apple torna perfeitamente possível uma nova tentativa de entrada no mercado de redes sociais. Se o iPad deu certo depois do Newton, o que impede o Apple TikTok dar certo depois do Apple Ping, não é mesmo?
Repito: não acho que a Apple vá comprar o TikTok. Na verdade, assim que o primeiro rumor sobre o assunto surgiu, fontes da própria empresa já trataram de rejeitar a ideia (o que todos sabemos que não quer dizer nada). Mas se no passado eu estaria disposto a apostar dinheiro que a hipótese dessa compra não tinha a menor chance de acontecer e não passava de um clickbait barato, o facto de eu ter dedicado uma crónica inteira à real chance disso acontecer indica que talvez seja melhor eu desistir de prever as atitudes da Apple com base no campo da razão.
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