Donos de nada: o caminho para o Renting?
Vivemos atualmente numa nova era da Apple. Nada de novo, mas com tudo novo. No dia 10 de Novembro de 2020, a empresa anunciou o lançamento do “primeiro chip desenhado especificamente para Mac”: o M1. Trata-se de um SoC (System-on-a-chip), ou seja, o processador, a memória RAM e o processamento gráfico integram uma única unidade física. Tudo soldado, tudo integrado. Rápido, pequeno e extramente eficaz. Este tipo de arquitetura é tão pequeno que permite a sua incorporação num iPad, e nos Macs permite a libertação de espaço quer para as baterias no caso dos laptop, quer para as colunas e no caso dos desktop.
Por outro lado, quando a Apple lançou o iPhone 2G em 2007, o mundo tremeu e nunca mais foi o mesmo. Desde então, a cada ano era colocado no mercado um novo modelo. Ou melhor: de dois em dois anos, já que, no ano seguinte, o mesmo modelo era lançado com aperfeiçoamentos, ao qual se acrescentava a letra “S”. A partir do iPhone 6 (2014), nasceram modelos de dimensões maiores, seguindo a mesma política, mas adicionando a palavra “Plus”. A dada altura, para as carteiras menos abastadas, vieram os modelos SE e mais tarde o XR. Bom, e hoje em dia temos os “Pro”, “Pro Max”... tanta coisa que já nem espaço há para a tal letra “S”.
Tudo isto para dizer que a escolha é muita, tudo é lindo e espetacular. Mas tudo isto é caro. Muito caro. Para quem pode, e nem pensa no assunto, é só comprar o modelo novo quando sai. Para quem “vai podendo”, estes dispositivos duram muitos anos em excelente estado de funcionamento, aliás, como sabemos, bem mais do que a concorrência.
Mas agora temos que acrescentar a este tipo de prática os nossos computadores. Pois é... ainda antes deste arco-íris de cor que Apple recriou para esta sua nova era, a memória RAM já estava soldada na placa no caso dos iMac mais recentes, impedindo o que se fazia noutros tempos: estender a vida dos computadores com um upgrade de RAM e de Disco Rígido.
Upgrades em lojas da especialidade
O que não falta por aí são lojas da especialidade, cujo extraordinário trabalho restitui a vida aos nossos telefones e relógios no espaço de uma hora ou menos. Qualquer peça que se avarie num iPhone que já tenha passado da garantia (que, note-se, não cobre tudo), é ir a uma destas lojas e já está. Paga-se, mas paga-se menos do que ter que comprar um novo. Mas nestas lojas eram também feitos upgrades às nossas máquinas, o que constituía mais uma forma de sobrevivência num mercado tão pequeno, sobretudo em Portugal.
Pois isso está em vias de desaparecer. Os SoC assim o determinam. Não faz sentido comprar um iMac com 8GB quando sabemos que daqui a uns anos vai estar lento... e SSD, RAM... tudo ajuda contra esse envelhecimento. E, portanto, um computador que podia ter mais uns anos de vida, está destinado a uma obsolescência prematura, obrigando o consumidor a considerar a aquisição de outro no espaço de tempo menor. Caro. Muito caro. Mas o marketing ajuda, e as novas funcionalidades e designs, bem como o impedimento de usufruto a 100% porque os sistemas operativos entretanto já não são compatíveis pesam na balança entre um upgrade e um produto novo.
“Alugueres”
Se atentarmos ao mercado automóvel, existem várias modalidades: Leasing, ALD (Aluguer de Longa Duração) ou o Renting. Todos pressupõem uma prestação mensal. No caso do Leasing, findo o período dos pagamentos, colocam a opção de adquirir o automóvel pelo valor residual. Já no ALD, é-se obrigado a compra-lo. E depois vem o Renting. Na prática, esta modalidade inclui tudo: seguro, Via Verde, manutenção, inspeções. E o carro nunca é do condutor, podendo, no final do prazo, fazer um novo contrato com um carro mais recente.
Este tipo de aluguer aplicado material informático já se aplica em Portugal, principalmente nas empresas. Ao mesmo tempo, em determinados casos, alguns clientes particulares com contratos de fidelização, são “presenteados” na altura da renovação com um determinado valor para aquisição de equipamento.
Mas, perante esta dinâmica cada vez mais rápida, até que ponto caminhamos para a generalização de uma prestação eterna, ao estilo Renting, que assegure a constante detenção de um aparelho novo, com toda a manutenção incluída?
Olhando para o mercado das Apps, a ideia de a comprar fui substituída por “compras internas” e subscrições. Embora algumas não se comprem, a “prestaçãozinha” mensal está lá... em cada vez mais. Do mesmo modo, os serviços de Streaming. Mais uma prestação.
O mundo dos serviços
Ou seja, o dito desprendimento do material (falamos nos suportes físicos: CD, DVD, etc.) deu lugar a uma virtualização, em que tudo está na nuvem, onde quer que estejamos. Bom, claro, desde que se pague a prestação da Internet de casa e o serviço de dados nos telemóveis e tablets.
Então... será que não estaremos mesmo a caminhar para uma altura em que os nossos carros, os nossos computadores e os nossos telefones passem a ser um aluguer eterno, cujo valor tem que ser contemplado enquanto uma despesa básica como as da água, do gás e da eletricidade? O peso no orçamento seria gigantesco, e o conceito de “taxa de esforço” (percentagem do rendimento total destinado ao pagamento de prestações) do sistema bancário aplicar-se-á ao mesmo modo.
Donos de nada
Quereremos mesmo ser donos de alguma coisa? Guardar os nossos computadores e telemóveis numa prateleira? Há sempre o mercado em segunda mão, que muito jeito dá a quem não tem tanta disponibilidade financeira. E ainda assim, há muita concorrência muito mais barata com produtos de ótima qualidade. Não são da Apple. Mas isso paga-se. E bem...
Então, e queremos mesmo ter um carro que tem uma vida útil oficial de quatro anos? Pois, querer não queremos. Mas o Renting é caro e portanto as contas são simples: não dá.
Já no caso de um telefone ou de um computador, com as devidas estratégias de marketing e de preçários, esta talvez venha a ser uma realidade exequível. Mas nunca se sabe.
A verdade é que acumulamos cada vez mais tralha. Mas a verdade é que também queremos ter as novas experiências, inovadoras e memoráveis que a tecnologia nos oferece. A ritmos cada vez mais intensos, mas que não nos cansam... frustram, porque, tal como se diz nas lides da Economia, “não há almoços grátis”. Temos que escolher porque existe escassez. Um benefício implica sempre um custo, e vice-versa.
Será que o custo de comprar um telemóvel ou um computador é ultrapassado pelo benefício de um aluguer mensal com manutenção incluída? E como se adaptarão as empresas sem a fatia de upgrades nas suas fontes rendimento? Só o tempo o dirá.
E tu? Gostarias de um sistema de Renting para o teu Mac e/ ou iPhone e iPad? Até quanto estarias disposto a pagar por mês (entre 12 e 72 meses) para ter um aparelho sempre novo?
Deixa-nos a tua opinião nos comentários!