Passadas 24h do término do evento Far Out, e com duas reproduções da apresentação já na minha cabeça (a primeira para o liveblog do iFeed, e a segunda em preparação para o meu podcast Área de Transferência), eu ainda não sei se percebi bem a essência do que a Apple nos quis transmitir durante aquela hora e meia de anúncios.
Os produtos, é claro, estão lá todos para vermos. Eles são a materialização da ambição da Apple de fazer a diferença no mundo, salvando vidas de formas ativa e passiva, considerando a gama de anúncios que foi desde a ligação de emergência via satélite, até ao detector de acidentes automaticamente ou o sensor de temperatura.
Eu não sei quanto a vocês, mas quando penso na temática dos vídeos que a Apple exibiu ao longo do evento, sinto uma certa sensação de pesar. O vídeo de abertura, com aquela jovem sentada sobre os escombros de um acidente aéreo… os jovens a serem resgatados numa montanha gelada e escura… os exploradores em situações de aventura (o que é bacana), e risco (o que não é tão bacana)… não sei. Os vídeos de modo geral pareceram vir acompanhados de um certo clima de tensão e de ameaça que não estamos acostumados a ver sair de Cupertino. Eu já critiquei algumas vezes o anúncio 911, em que a Apple argumentava de uma forma bastante direta que quem não quiser morrer num acidente terrível deve comprar um Apple Watch, e o evento de ontem teve mais argumentos assim do que o meu radar de comunicador julga ser apropriado, ainda que – talvez – subliminar.
Dito tudo isto, acho que mesmo com o distanciamento de apenas 1 dia em relação aos anúncios, o evento marcou uma mudança na direção da Apple. Já é sabido que ela vem a considerar entrar no mercado da saúde, e muitos apostavam que ela e a Amazon seriam as próximas grandes concorrentes neste segmento. No caso da Apple, o evento de ontem serviu-me para confirmar essa impressão, ainda que de uma forma diferente do que poderíamos esperar (como um seguro de saúde da Apple, por exemplo).
No caso do Apple Watch, bem, este há tempos já é um grande aliado da saúde e do bem-estar dos seus utilizadores. A adição do sensor de temperatura chega para complementar uma grande lista de capacidades silenciosas que – como já aconteceu comigo no caso do alerta de fibrilhação auricular – mudam vidas. A chegada do sensor de temperatura pode não ser uma grande revolução, mas ela é mais um passo na caminhada confiante da Apple de que o destino do Apple Watch mora no cuidado com a saúde, valendo-se de tecnologias que só uma empresa do tamanho da Apple teria interesse e capacidade de investir.
Já o caso do Apple Watch Ultra (que, sinceramente, deveria chamar-se Apple Watch Explorer), soa-me um pouco mais desafiador para compreender. Fico a pensar no tamanho do mercado total para quem este dispositivo irá apelar, e não consigo imaginar que este seja um mercado muito grande. Talvez por isso o Apple Watch Ultra (ugh…) custe, inesperadamente, um valor relativamente parecido com o resto da linha. Durante o anúncio, eu teria apostado que ele seria muito mais caro, mas não. Ele tem um preço similar a um bom modelo de aço inoxidável. Por outro lado, e acho que é aí que mora o segredo do Apple Watch Ultra (ugh…), ele projeta uma IMAGEM de desafio, superação, obstinação, e até de perigo, tudo altamente aspiracional. Eu não sou alpinista, não sou espeleólogo, não sou maratonista, mas agora tenho uma identificação parcial com este público por também usar um Apple Watch. Mais do que isso, o Apple Watch Ultra (ugh…) marca a primeira expansão conceitual da linha do Apple Watch, que sempre pendeu mais para a moda do que para os exercícios como ponto único de venda.
Mas e os iPhones? Pois bem. Após a confirmação de que a Apple realmente havia adotado a estratégia de lançar um iPhone 13s chamado iPhone 14, fomos brindados com o que possivelmente é a primeira contribuição realmente icónica da Apple de Tim Cook e de Alan Dye à altura do sem-fim de contribuições icónicas da Apple de Steve Jobs e Jony Ive ao mundo do design. Falo, é claro, da Ilha dinâmica (outra novidade cujo nome é pouco sedutor). Mesmo com a hemorragia de rumores e fugas de informação a respeito do aspecto da parte frontal dos modelos Pro, com a sua pílula ocultando o Face ID e a câmara frontal, ninguém sequer levantou a hipótese de que a Apple poderia utilizar melhor aquela área. Ela não só fez isso, como conseguiu cumprir o hercúleo desafio de transformar uma deficiência técnica – a impossibilidade de esconder os furos no ecrã – num recurso atraente, divertido, e… vivo! É uma ideia tão simples, porém com uma boa execução tão desafiadora, que ainda me faz ficar apenas cautelosamente otimista quando à novidade. Porque se ela realmente entregar as funcionalidades e as experiências prometidas no evento, já aposto aqui que dentro de 3 ou 4 anos, será impossível vermos um telefone (seja ele iOS ou Android) sem algo nestes moldes. Se em 2007, a Apple decretou que o futuro dos smartphones estava nos ecrãs sensíveis ao toque, em 2022 a Apple decretou o futuro da sua interface funcional.
Deixa o teu comentário